Pedi e recebereis. Buscai e achareis

No Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, escrito por São Luís Maria Grignion de Montfort, lemos que a perfeita entrega a Nossa Senhora passa pela doação não só do corpo, da alma e das intenções, mas até mesmo dos méritos das boas obras que se pratica.

O trecho envolve uma dúvida inquietante: se a perfeita entrega exige de nós uma doação plena, pode o católico pedir a Deus por bens materiais? Não seria errado implorar ao Senhor por coisas que passam, já que nosso futuro está no Céu? É o que vamos esclarecer neste artigo.

São Luís Maria Grignion de Montfort

Desde o início da criação, Deus conhece as nossas necessidades

Nenhuma boa argumentação religiosa deixa de olhar para a Revelação concedida por Deus: as Sagradas Escrituras. E nosso método será exatamente este: tentar entender o que o Senhor nos comunica pela luz da sua Palavra, a fim de constatar se o católico fiel pode ou não  pedir por bens materiais em suas orações e súplicas.

Já no início da história humana, nas primeiras páginas do Gênesis, Adão faz um pedido a Deus, não um pedido verbal, mas de coração. Compreendendo que Adão sentia-se só, Deus concedeu a ele uma esposa que correspondia aos seus anseios.

“E, desse modo, o homem nomeou a todos os animais: os rebanhos domésticos, as aves do céu e a todas as feras. Entretanto, não se encontrou para o próprio ser humano alguém que com ele cooperasse e a ele correspondesse intimamente. Então, Deus fez Adão cair em profundo sono e, enquanto este dormia, retirou-lhe parte de um dos lados do corpo e uma costela, e fechou o lugar com carne. Com a costela que havia tirado do homem, o Senhor Deus modelou uma mulher e a conduziu até ele. Então exclamou Adão: 'Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!'” (Gn 2, 20-23).

Promessa do Senhor

Alguns podem alegar que o pedido inicial de Adão não foi de algo material. De fato, uma companheira é bem mais do que um carro, uma casa, um bem perecível. Entretanto, não paremos por aqui, continuemos nossa trilha rumo à Encarnação de Jesus, agora com Abraão:

“Então, depois que Ló foi embora, prometeu Deus a Abrão: “Ergue teus olhos e observa bem, do lugar em que estás, para o norte e para o sul, para o oriente e para o ocidente. Toda a terra que vês, Eu a darei a ti e à tua descendência, para sempre”. (Gn 13, 14-15).

Mais uma vez, é o próprio Deus quem promete, antes de qualquer pedido de Abraão, terras abundantes e uma prole extensa, que levará o seu nome, como patriarca, por todos os séculos. Assim, já podemos perceber que Deus  concede de bom grado bens terrenos aos seus filhos, o que nos faz supor que Ele não se irrita com nossos pedidos por bens materiais, por anseios práticos de nosso coração. Muitas vezes, Ele mesmo é quem nos premia com esses bens, até antes de os pedirmos.

Como Deus dá os bens materiais?

Se, então, o católico fiel pode pedir por bens materiais, qual é a regra pela qual Deus concede ou deixa de conceder o que pedimos? Santo Agostinho nos apresenta três agravantes pelos quais Deus não atende nossos pedidos: mala, male, mali.

Mala: quando pedimos coisas que nos farão mal. Isso consiste numa grande sabedoria que o cristão deve assimilar: ele pode pedir a Deus o que quiser, porém, precisa fazê-lo com humildade, e deve entender que, muitas vezes, seus desejos são suscitados pelo frenesi e pelo pecado. Agindo assim, sem perceber, ele deixa nas mãos de Deus a escolha pela concessão ou não do bem desejado.

Male: quando pedimos mal. Quando nossa oração não existe, ou quando é fraca; quando nosso pedido não é confiante ou perseverante. Quando pedimos por pedir, sem confiar que Deus irá nos atender.

Mali: quando somos maus. Ao praticarmos obras de injustiça e entristecermos a Deus, é certo que teremos menos audiência perante o Tribunal Divino e mais dificuldades para conquistar os bens que pedimos.

Afinal, o católico pode pedir bens materiais a Deus ?

Com certeza, em suas orações, o homem e a mulher podem apresentar a Deus os seus pedidos de coisas materias, principalmente aquelas que mais afligem os seus corações, desde as maiores até as menores.

Não é porque ainda não conquistamos a perfeita humildade que não podemos pedir um emprego com melhor salário, por exemplo, o que nos ajudaria em nossas necessidades. Porém, o católico fiel precisa saber organizar os seus pedidos, e priorizá-los. Ele deve ter em mente que, em primeiro lugar, está a sua alma, o seu espírito. Por isso, os pedidos de salvação eterna,  santidade e conquista das virtudes são os primeiros que ele deve formular ao Senhor, logo que acorda. Recordemos o que diz o Evangelho:

Ora, se vós que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem!” (Lc 11, 13).

Depois disso, pode pedir a Deus pelos bens materiais, sempre lembrando que, ao ter seu pedido atendido, se não estiver firme na fé, correrá o risco de se desviar e fazer mal uso do que recebeu. Deus, que num só olhar vê o passado, o presente e o futuro, muitas vezes não concede o que pedimos porque não quer nosso mal. 

Assim, a posição ideal é a do pedido constante e da inteira submissão à vontade de Deus. Essas duas atitudes formam o arco gótico perfeito, que tem como auge a  total entrega nas mãos do Senhor. Afinal, Ele é nosso Pai bondoso, como não pedirmos tudo a Ele?

A perfeita entrega

Bem, mas ainda parece restar um ponto de contradição. São Luís Grignion nos ensina sobre a entrega perfeita, a doação total daqueles que se consagram a Jesus pelas mãos da Santíssima Virgem. Diante disso, resta o impasse: se devemos entregar tudo, então não devemos pedir nada a Deus!

São Luís explica que, na Consagração, é nosso dever entregar todo nosso ser à Rainha do Céu. Porém, esta entrega é uma via de mão dupla, pois Nossa Senhora também se entrega toda a nós. Tudo o que é nosso passa a ser d’Ela, e tudo o que é d’Ela, passa a ser nosso, inclusive o seu poder de intercessão e sua audiência santa diante do Trono de Deus.

Assim, nossos pedidos serão ouvidos por Deus como se fossem os próprios lábios santos da Virgem que os pronunciasse. Como o Divino Filho diria um não à sua Santíssima Mãe?

Entretanto, tal direito acarreta também um dever: se nosso pedido será como o de Nossa Senhora, nosso comportamento também deverá ser como o d'Ela. No Evangelho, Maria Santíssima dá testemunho de uma submissão completa: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a sua vontade”. (Lc 1, 38).

Portanto, ao pedirmos por bens materiais, tenhamos uma profunda humildade e estejamos dispostos a respeitar o tempo de Deus e termos consciência de que Ele pode, em sua Sabedoria, nos conceder ou não o que pedimos. Ao pedirmos, acrescentemos, com Maria: Senhor, faça-se em mim segundo a sua vontade.

Dessa forma, nós concluímos que o fiel católico pode sim, pedir a Deus por bens materiais, mas que, o conceder ou não está nas mãos de Deus, que sempre levará em consideração a nossa forma de pedir e a pertinência do que pedimos.