Maria é a Mulher por excelência

O estudo da Bíblia nos põe diante de verdades que exigem reflexão. Sendo as Sagradas Escrituras um livro eterno, é possível tirar delas lições que nos ajudam a superar problemas atuais. Porém, quando analisados sem profundidade, alguns trechos podem trazer mais dúvidas que soluções. Um deles é o primeiro milagre de Jesus, nas bodas de Caná da Galileia, quando Ele transformou água em vinho.

Nossa Senhora vai até seu Divino Filho solicitar ajuda para os esposos que haviam ficado sem vinho, e Cristo responde: “Mulher, que tenho eu contigo? Minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4). Qual a razão desta fala truncada de Jesus? Por que Ele chama Maria de “Mulher”? É o que analisaremos.

Na Bíblia, precisamos respeitar o contexto

Como diz um ditado popular: “Todo texto fora de contexto é pretexto”. Assim, quando lemos as Sagradas Escrituras, precisamos sempre nos reportar ao período, aos costumes e ao idioma dos hebreus do século em questão. Na passagem da transformação da água em vinho, é necessário lembrarmo-nos desta verdade.

Em primeiro lugar, o aramaico, língua falada pelos hebreus das classes mais populares, tinha uma forma de escrever bem diferente. Para eles, não havia a representação escrita de vogais, mas apenas consoantes, e a forma de flexionar estas consoantes era apenas na fala. É por isso que muitos papiros antigos da região hebraica são de difícil compreensão, já que possuem sequências de consoantes que são as mesmas, mas que podem dizer de três a quatro coisas diferentes, pois dependem das vogais não escritas.

Maria, por exemplo, vem do nome hebraico Miriam, e seu modo de escrever, colocando para nossa língua, seria MRM. E assim também mulher, que tem as mesmas consoantes, em hebraico, da palavra mãe. Qual Jesus terá usado, de fato? Não sabemos, pois os que o ouviram falar foram apenas os que estavam naquela festa.        

Por outro lado, não só a grafia, mas o simbolismo e a adequação das palavras mudam com o passar do tempo. Para nós, a palavra “mulher” pode soar um tanto rude, como se se quisesse impor uma distância. No entanto, para os hebreus, o título “mulher”, dito por um parente, queria dizer: “minha senhora”, “minha querida”. Alguns desses significados podem ser observados em outros livros da Bíblia, como em Reis, quando Davi se refere a Abigail, ou em Samuel, quando o cronista narra a gravidez da mãe do profeta Samuel. E ainda em Ester, quando Mardoqueu, seu tio, vem visitá-la após ela ser escolhida como rainha.

Jesus chama Maria de Mulher com um significado mais profundo

Além de todas essas características que, inevitavelmente, precisam ser levadas em consideração ao meditarmos tal passagem, também é preciso lembrarmos que a Bíblia é um Livro Sagrado, inspirado pelo Espírito Santo, e que possui verdades em suas entrelinhas, para que novos tesouros possam ser retirados. A passagem em questão, quando Jesus chama Maria de Mulher, traz um significado ainda mais profundo.

No Gênesis, após Adão e Eva serem conscientizados por Deus sobre seu pecado, o Senhor dá a eles um castigo pela falta, que é o pecado original, e a consequência dele recai sobre toda a humanidade. A Adão, que tudo possuía e tudo dominava, Deus determina: “Do suor do teu rosto comerás o teu pão” (Gn 3,19). Dessa forma, recebemos o trabalho como uma forma de punição e  de reparação, além da dor do nascimento, na forma do parto. E o ponto mais devastador do castigo: a morte.

Tendo dado tais sentenças a Adão e Eva, Deus se volta à serpente. Não mais ao animal, que recebeu também seu veredito: rastejar sobre o ventre, mas ao demônio, o autor da tentação e eterno atrapalhador da salvação. Vemos, no versículo 15, do 3º capítulo: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Ela te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”.

Quem é a mulher à qual Deus põe em inimizade com o maligno? É Jesus quem nos conta: “Filho, eis aí tua Mãe. Mulher, eis aí o teu Filho (Jo 19, 26-27). O episódio das bodas de Caná foi mais uma forma de Cristo nos contar que a Mulher da profecia é a Santíssima Maria. É Ela quem pisa a cabeça da serpente, como vemos na imagem de Nossa Senhora das Graças.

O mesmo São João, que é também o autor do Apocalipse descreve: “Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 12, 1). Mais uma vez, uma referência simbólica a Maria, que é identificada como Mulher.

E a “fala truncada” de Jesus?

Após refletirmos sobre o porquê de Jesus chamar Maria de Mulher no Evangelho, cabe ainda uma dúvida: qual a razão de Cristo falar “que tenho eu contigo?” Não era sua Mãe quem conversava com Ele? Seria uma “grosseria” de Jesus tal passagem? Ou ainda, como gostam de dizer alguns protestantes, um sinal de que não devemos recorrer à Mãe de Cristo, já que é assim que Ele a trata?

Devemos sempre, numa reflexão de fé, lembrarmo-nos de quem estamos falando. Jesus é Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade; Ele não pode pecar, não pode cometer uma grosseria. Assim, tendo estabelecido um primeiro limite, nos perguntamos: por que, então, essa observação que passou para o futuro, transcrita nos Evangelhos?

Os santos dizem que São João acrescenta isso em seu Evangelho para ficar patente o poder da intercessão de Nossa Senhora. A pergunta: “O que tenho eu contigo”, fica perfeitamente respondida quando Maria Santíssima diz aos serventes: “Fazei o que Ele vos disser”, pois, mesmo não sendo a hora de Jesus, Ele faz o seu primeiro milagre, em atenção ao desejo de sua Mãe.

Tanto chamar Maria de Mulher quanto perguntar o que tem a ver com ela, são formas eficientes de ilustrar, para aqueles que têm fé, a soberania da Virgem. Não era de se esperar outra conduta do Filho Perfeito. Aliás, todas as considerações de carinho que imaginamos de Cristo para com Nossa Senhora são infinitamente inferiores ao verdadeiro amor e dileção que Ele tem por sua Mãe. Que aprendamos, então, do Sagrado Redentor, o amor perfeito a Maria Santíssima.