Viviam os hebreus sob a proteção do Senhor e eram por Ele orientados através de seus profetas. Era a única nação a gozar de um regime teocrático.

Debaixo dessa forma de governo, haviam abandonado a escravidão egípcia, caminhado pelo deserto entre milagres durante quarenta anos e vieram, por fim, se estabelecer na terra onde corria o leite e o mel.

Apesar de terem passado pelas agruras dos castigos, por não haverem cumprido suas promessas, as intervenções de Deus, libertando-os de sucessivos opressores, marcaram-lhes a história, consagrando-os como o povo eleito.

Entretanto, o seu glorioso passado não foi suficiente para fazê-los crer no poder de Deus, e menos ainda em seu amor, nem para evitar que eles desejassem ser como os demais povos: “Dá-nos um rei que nos governe, como o têm todas as outras nações” (I Sm 8, 5).

O mimetismo pode gerar bons frutos, quando movido por amor de Deus; mas, se tem suas raízes na comparação, inveja ou insegurança por falta de fé, como aconteceu com o povo hebreu, as consequências desastrosas são incalculáveis.

A primeira delas é dar as costas ao próprio Deus: “Não é a ti que eles rejeitam, mas a Mim, pois já não querem que Eu reine sobre eles” (I Sm 8, 7).

E apesar de ter ouvido dos lábios do profeta a ladainha das inferioridades do regime monárquico em relação ao teocrático, “o povo recusou ouvir a voz de Samuel. Não, disseram eles; é preciso que tenhamos um rei! Queremos ser como todas as outras nações!” (I Sm 8, 19-20).

É insondável a misericórdia divina.

Correram os séculos e Deus atendeu prodigamente os anseios do povo eleito: deu não só a eles, mas a toda a humanidade, não um grande rei, mas o “Rei dos reis, Senhor dos senhores” (I Tm 6, 15). Concentrou num mesmo Homem a realeza, a “messianidade”, o profetismo e o sacerdócio, oferecendo-lhes um reino eterno e infinitamente superior a qualquer outro deste mundo.

Nova rejeição!

Porém, dentre os mortos Ele ressuscita e, sendo “as primícias dos que morrem” (I Cor 15, 20), oferece-nos a ressurreição também a nós: “pois assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (idem, 22).

Também insondável é a maldade humana. Eis a grande infidelidade de todas as nações de nossa era, a rejeição de Cristo Rei para agarrar-se aos prazeres perecíveis e fugazes, num mimetismo desgastado e sem sabor, de um mundo decrépito, falido e inautêntico.

Quiçá nas solenidades da magna festa de Cristo Rei, celebrada no decurso deste Ano da Eucaristia, Jesus Hóstia — tão realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade quanto o estava em Israel — possa ouvir nosso brado: “Jesus, Filho de Davi, tende piedade de nós”.

E assim, atendendo-nos, traga-nos a verdadeira paz da qual tanto hoje necessitamos.

Tanto mais que sendo

verdadeiramente Rei do Universo, Ele tudo governa e tudo renova para poder, no fim, “entregar” o mundo ao Pai, para que Deus seja tudo em todos (1 Cor 15, 28). (…) Aplicai-vos para que a sua realeza se manifeste no vosso esforço de viver as realidades do mundo, transfigurando-as com o amor e o louvor de Jesus (Discurso de S.S. João Paulo II aos peregrinos, 25/11/2000).