A perfeição consiste em cumprir a vontade de Deus, cada um segundo sua vocação.

Mas a vocação toda excepcional de José supera por certo, no silêncio e na obscuridade, a dos maiores Apóstolos: pois ela se relaciona mais de perto com o mistério da Encarnação redentora.

José, depois de Maria, esteve mais próximo que ninguém do próprio Autor da graça.

Assim pois, no silêncio de Belém, durante a estadia no Egito e na pequena casa de Nazaré, ele terá recebido mais graças que jamais a qualquer outro santo seria dado receber.

Qual a missão especial de José com relação a Maria?

Consistiu ela sobretudo em preservar a virgindade e a honra de Maria, contraindo com a futura Mãe de Deus um verdadeiro matrimônio, mas absolutamente santo.

Conforme relata o Evangelho de São Mateus (1, 20):

"O Anjo do Senhor, que apareceu em sonho a José lhe diz: 'José, filho de Davi, não temas receber Maria como tua esposa, pois o que n'Ela se gerou é obra do Espírito Santo'".

Maria é perfeitamente sua esposa.

Trata-se de um matrimônio verdadeiro (cf. Santo Tomás, III, q. 29, a. 2), mas inteiramente celeste e que devia ter fecundidade inteiramente divina.

A plenitude inicial de graça dada à Virgem em vista da maternidade divina fazia apelo em certo sentido ao mistério da Encarnação.

Conforme diz Bossuet: "A virgindade de Maria atraiu Jesus do Céu... Se sua pureza A tornou fecunda, não hesitarei, no entanto, em afirmar que José teve sua parte nesse grande milagre".

Assim, José se aproximou mais intimamente do que qualquer outro santo daquela que é a Mãe de Deus, daquela que é também a Mãe espiritual de todos os homens e dele próprio José, daquela que é Co-redentora, Mediadora universal, dispensadora de todas as graças.

Por todos esses títulos José amou Maria com o mais puro e devotado amor; era de certo um amor teologal, porquanto ele amava a Virgem em Deus e por Deus, por toda a glória que Ela dava a Deus.

Qual foi a missão excepcional de José perante o Senhor?

Em verdade, o Verbo de Deus feito carne foi confiado a ele, José, de preferência a qualquer outro justo dentre os homens.

O santo velho Simeão teve o Menino Jesus em seus braços por alguns instantes e viu n'Ele a salvação dos povos - "lumen ad revelationem gentium" -, mas José velou todas as horas, noite e dia, sobre a infância de Nosso Senhor.

Muitas vezes teve em suas mãos Aaquele em quem via seu Criador e Salvador.

Recebeu d'Ele graças sobre graças durante os vários anos em que viveu com Ele na maior intimidade do dia-a-dia.

Viu-O crescer.

Contribuiu para sua educação humana.

Jesus lhe foi submisso.

São José foi o "pai nutrício do Salvador"; porém, em certo sentido, foi mais que isso, pois como nota Santo Tomás é acidentalmente que após o casamento um homem se vem a tornar "pai nutrício" ou "pai adotivo", enquanto que não foi absolutamente de forma acidental que José ficou encarregado de zelar por Jesus.

Ele foi criado e posto no mundo precisamente para tal fim.

Esta foi a sua predestinação.

Deus lhe deu um coração de pai para velar pelo Menino Jesus.

Esta é a missão principal de José, em vista da qual ele recebeu uma santidade proporcionada a seu papel no mistério da Encarnação, mistério que domina a ordem da graça e cujas perspectivas são infinitas.

A vocação de São José

Num discurso pronunciado na Sala Consistorial no dia da festa de São José, em 19 de março de 1928, S.S. Pio XI comparava nestes termos a vocação de São José com a de São João Batista e com a de São Pedro:

"Primeiro, São João Batista que se ergue no deserto com sua voz, ora grave ora suave [...] para afinal oferecer à face do mundo a maravilhosa glória do martírio.

Depois, Pedro que ouve do Divino Mestre estas sublimes palavras, pronunciadas também elas à face do mundo e dos séculos: 'Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja; ide e pregai ao mundo inteiro'.

Missão grandiosa, divinamente resplandecente.

Entre essas duas missões aparece a de São José: missão recolhida, calada, quase despercebida; um silêncio ao qual sucederia, mas muito tempo depois, um sonoro canto de glória.

Pois, onde mais profundo o mistério, mais espesso o véu que o encobre, e maior o silêncio, é justamente aí que mais alta é a missão, como mais brilhante o cortejo das virtudes exigidas e dos méritos requeridos para, por feliz necessidade, com elas se conjugarem.

Missão única, muito alta, a de guardar o Filho de Deus, o Rei do mundo, e de guardar a virgindade e a santidade de Maria; missão única, a de ter participação no grande mistério ocultado aos olhos dos séculos, e de assim cooperar na Encarnação e na Redenção!

Toda a santidade de José consiste precisamente no cumprimento, fiel até o escrúpulo, dessa missão tão grande e tão humilde, tão alta e tão escondida, tão esplêndida e tão envolta em trevas".

(Trecho de Les trois ages de la vie interieure, trad. Permanência. Publicado em Revista Permanência, Junho de 77.)